[Devaneios Literários] Capitães da Areia - Jorge Amado

29 de março de 2012

Leitores(as) amigos(as):

Ausentei-me, desta vez por um longo período, mas há alguns dias venho sentindo a necessidade de compartilhar com vocês textos de autores brasileiros e por que não dizer, externalizar sentimentos através do simples ato de escrever.

Não vou prometer ser fiel a datas. Quem sabe, assim, sem a preocupação de seguir um cronograma quinzenal, eu seja mais assídua na proposta das análises textuais? Na verdade, o descompromisso, em certos casos, é um comprometimento com a liberdade de criação. E assim, o ato de escrever, torna-se prazeroso, constitui uma vontade, não uma imposição.
Bem, o ano de 2012 marca o centenário de nascimento  do escritor Jorge Amado. Nasceu no município baiano de Itabuna em 1912 e faleceu em 2001.

Sem dúvida, é um dos escritores mais conhecidos e lidos de todos os tempos. Seus romances ultrapassaram a marca dos 10 milhões de títulos vendidos só aqui no Brasil e foram traduzidos para 49 línguas estrangeiras.

Homenagear Jorge Amado nas páginas do Brincando com Livros é convidar o leitor a sentir-se seduzido pelos inúmeros personagens que povoam os romances do escritor.
Selecionei um trecho do romance Capitães da Areia, lançado em 1937 e proibido pela censura do Estado Novo, justamente por retratar as diferenças de classes sociais, a má distribuição de renda e os efeitos da miséria nos menores discriminados no sistema social.

Capitães da Areia conta a história de um grupo de meninos de rua de Salvador que vivem em um velho trapiche abandonado, liderados pelo menor Pedro Bala.

Uma história contemporânea, poderia ser narrada nos dias de hoje como a história de vários meninos de rua que circulam pelas ruas deste imenso Brasil, sem teto, sem pão, sem família, sem esperança.

O trecho a seguir foi extraído do capítulo "Deus sorri como um negrinho", páginas 110 a 117 da Editora Companhia das Letras.

"Pirulito mirou o céu azul onde Deus devia estar e agradeceu num sorriso e pensou que Deus era realmente bom. E pensando em Deus pensou também nos Capitães da Areia. Eles furtavam, brigavam nas ruas, xingavam nomes, derrubavam negrinhas no areal, por vezes feriam com navalhas ou punhal homens e polícias. Mas, no entanto, eram bons, uns eram amigos dos outros.
[...]
O padre José Pedro dizia que a culpa era da vida e tudo fazia para remediar a vida deles, pois sabia que era a única maneira de  fazer com que eles tivessem uma existência limpa.
[...]
Pirulito fora a grande conquista do padre José Pedro entre os Capitães da Areia. Tinha fama de ser um dos mais malvados do grupo [...]. No dia que o padre José Pedro começou a falar de Deus, do céu, de Cristo, da bondade e da piedade, Pirulito começou a mudar. Deus o chamava e ele sentia sua voz poderosa no trapiche. Via Deus nos seus sonhos e ouvia o chamado de Deus de que falava o padre José Pedro.
[...]
E é esse amor e esse temor que fazem Pirulito indeciso ante a vitrina nesta hora de meio-dia, cheia de beleza. [...] Mas, mais belo que tudo é a imagem da Conceição com o Menino [...]. A imagem da Virgem da Conceição estende o Menino para Pirulito. Pirulito pensa que a virgem está a lhe entregar Deus, Deus criança e nu, pobre como Pirulito.
[...]
Ele tinha jurado a Deus, no seu temor, que só furtaria para comer ou quando fosse uma coisa ordenada pelas leis do grupo, um assalto para o qual fosse indicado por Pedro Bala.
[...]
Pirulito avança. Vê o inferno, o castigo de Deus, suas mãos e sua cabeça a arder uma vida que nunca acaba. Mas sacode o corpo como que jogando longe a visão, recebe o Menino que a Virgem lhe entrega, o encosta ao peito e desaparece na rua.
Não olha o menino. Mas sente que agora, encostado ao seu peito, o Menino sorri, não tem mais fome nem sede nem frio".

O menino Pirulito é um dos membros do grupo. Tem atitudes diferenciadas dos demais, porque passa horas rezando e o seu sonho é ir para o seminário. O padre José Pedro é seu amigo e lhe prometera tudo fazer para conseguir um lugar no seminário para Pirulito.

O fragmento revela o conflito interior do menino. Por um lado, o Deus bondoso e justo; do outro, os homens malvados, indiferentes ao sofrimento dos menos favorecidos.

A vida de Pirulito era uma vida desgraçada de menino abandonado, logo vivia no crime, furtos quase diários, uma vida de pecado.

Padre José Pedro abrandara-lhe o coração, mostrara-lhe esse Deus onipotente, justo e bondoso. E Pirulito ante a imagem de Nossa Senhora com o menino Jesus nos braços, na vitrine de uma loja , sente-se impelido a tomar o Deus menino em se colo, aninhando-o e protegendo-o do frio e da fome.

Pirulito se vê no menino Jesus. Assim como um dia fora acolhido no trapiche pelos outros meninos maiores, agora, também pode salvar o Deus menino da fome de carinho e de amor.


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Postado por Denise Silveira [Professora de Português, Literatura e Redação.Com 31 anos de experiência no magistério. Pós graduada em Literatura Brasileira pela UERJ. Ah, e o mais importante, minha mãe].
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8 comentários :

  1. Adorei essa coluna!!!! Onde tem mais?
    Quanto ao livro de Jorge Amado, quero ler assim que tiver oportunidade.

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  2. Essa até eu tenho que comentar, pq a coluna é fantástica! :D
    A Denise arrasa! Mesmo utilizando a frase para justificar a ausência no blog, achei ela SUPER interessante:
    " Na verdade, o descompromisso, em certos casos, é um comprometimento com a liberdade de criação. E assim, o ato de escrever, torna-se prazeroso, constitui uma vontade, não uma imposição."

    GENIAL! Sem mais!
    Beijos pra vc, Denise!

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  3. O post ficou muito legal. Adorei as suas considerações Denise. A análise que você fez do trecho de Capitães de Areia ficou muito bonita. Fora que este trecho foi uma bela escolha.
    Beijos.

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  4. Sempre quis ler algo de Jorge amado por ter estudado numa escola com o mesmo nome do autor. Não li até agora porque achei que o estilo de escrita dele poderia ser pesado, mas lendo os trechos que a Denise postou vi que não são. Espero ler alguma obra dele em breve!

    Beijos!

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  5. Denise, que saudades eu estava de ler sua coluna!
    Como a Ly disse muito bem, você arrasa até para justificar sua ausência!

    Pretendo ler esse livro ainda esse ano e adorei sua análise dos trechos! Parabéns!

    Beijos!

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  6. Ounn ele tinha a mesma raça de cachorro que eu, um pug! *.*

    Você escreve muito bem, parabéns.
    Jorge Amado é mestre!

    Beijos

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  7. LINDO! Li "Capitães da Areia" quarta-feira e esse capítulo é o meu favorito! Fiquei muito feliz de ver o trecho citado na coluna. Denise é o nome da minha mãe também, que amor :) Enfim, é verdade, a história pode ter sido escrita há um bom tempo, mas se encaixa perfeitamente nos tempos de hoje. Gostei tanto da obra que hoje comprei mais um livro do autor (ok, a promoção foi o empurrãozinho) e espero gostar tanto quanto gostei de "Capitães da Areia"!

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  8. Oi Denise!
    Saudades de você por aqui!
    Adoro suas recomendações. Há horas já ouço falar do Jorge Amado e tenho vontade de ler alguma coisa dele. Acho que Capitães da Areia é o mais famoso dele, não?
    Enfim, adorei!
    Beijão!

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