[Devaneios Literários] Passeio Noturno - Rubem Fonseca

2 de setembro de 2011

Hoje escolhi um conto de um escritor ora amado, ora odiado, dependendo do gosto que se tem pela Literatura Policial.

Utilizando uma linguagem brutalizada, desprovida de lirismo, Rubem Fonseca evidencia em seus contos a violência urbana, efeito da incapacidade do Estado. Em Passeio Noturno I e II o escritor revela ao leitor apenas no final da leitura que a violência não deriva, necessariamente, da miséria, mas que a miséria é a própria violência que se dissemina em forma de crimes e discursos e, muitas vezes, em nome do progresso e da modernização.

O protagonista do conto Passeio Noturno é, conotativamente, uma peça de uma engrenagem social; para ele o Jaguar preto é personalizado; as pessoas, por sua vez, são objetos descartáveis.


“Enfiei a chave na ignição, era um motor poderoso que gerava a sua força em silêncio, escondido no capô aerodinâmico”.


Vê-se, então, a metáfora condizente com a situação tão comum nos dias de hoje. Não nos condoemos, tampouco contestamos a banalização da vida. É normal e banal encontrarmos mais um morto assassinado na esquina de nossas casas. Resignamo-nos com a brutalidade, com a violência, com o descaso. Agimos assim por desesperança, por comodidade, por indiferença, quando o normal seria gritar, chorar, contestar, agir...

Rubem Fonseca é este autor que descortina sem dó e piedade o submundo do crime, da falsidade, da vergonha e denuncia os jogos inescrupulosos.

Todos os contos e romances de Rubem Fonseca são conduzidos sabiamente pelo mestre em forma de flashes cinematográficos, possibilitando ao leitor uma leitura dinâmica, rápida através de períodos curtos coordenados.

Vale ressaltar também que o escritor, geralmente, utilizando a 1ª pessoa incorpora o marginal ou o empresário inescrupuloso, tornando-o tão verossímil que, por vezes, “choca” o leitor. Utilizando um suspense peculiar, Rubem Fonseca conduz a trama prendendo a atenção do leitor com palavras e expressões que relidas antecipam ao leitor o final, todavia, lidas pela primeira vez, causam certa ambiguidade, provocando um desfecho previsível aos olhos do leitor. Só após a releitura é que percebemos nas entrelinhas que o autor já nos prevenira sobre o que iria, de fato, acontecer.


“Saí, como sempre sem saber para onde ir, tinha que ser uma rua deserta, nesta cidade que tem mais gente do que moscas”.


O conto narra a trajetória de um empresário que sai à noite com seu carro importado, um jaguar, para atropelar pessoas pobres e indefesas, como forma de aliviar o estresse do dia-a-dia; enquanto isso, sua família está envolvida em futilidades, sem desconfiar, ou pelo menos se importar, com os objetivos dos passeios noturnos desse chefe da família. Vê-se, então, a alienação, o isolamento e a fragmentação do sujeito pós-moderno na célula básica da formação da sociedade, a família.


“Cheguei em casa carregando a pasta cheia de papéis, relatórios, estudos, pesquisas, propostas, contratos. Minha mulher, jogando paciência na cama, um copo de uísque na mesa de cabeceira, disse, sem tirar os olhos das cartas, você está com um ar cansado. Os sons da casa: minha filha no quarto dela treinando impostação de voz, a música quadrifônica do quarto do meu filho. Você não vai largar essa mala? Perguntou minha mulher, tira essa roupa, bebe um uisquinho, você precisa aprender a relaxar”.


Nota: "Passeio Noturno I" e "Passeio Noturno II" são contos pertencentes ao livro "Feliz Ano Novo" de Rubem Fonseca. Quer ler o conto inteiro? Clique aqui.

Informações:
Título: Feliz Ano Novo
Autor: Rubem Fonseca
Editora: Agir
ISBN: 9788520924709
Páginas: 168
Mais informações: Skoob
Onde comprar: SubmarinoSaraiva | Fnac

Sinopse: Lançado em 1975 e censurado pelo regime militar, "Feliz ano novo" foi recolhido no ano seguinte pelo Departamento de Polícia Federal por "atentar contra a moral e os bons costumes".
Considerado um dos principais livros de Rubem Fonseca, este livro foi o expoente da produção literária da época, ele reúne contos repletos de violência com uma linguagem precisa e contundente que se tornou a mais significativa marca autoral do escritor. Uma obra prima com uma dura crítica social que mais de três décadas após sua publicação mantêm sua atualidade e relevância, mostrando o porquê de Rubem Fonseca ter se tornado um dos nomes mais importantes da literatura nacional contemporânea.


Postado por Denise Silveira [Professora de Português, Literatura e Redação.Com 31 anos de experiência no magistério. Pós graduada em Literatura Brasileira pela UERJ. Ah, e o mais importante, minha mãe].
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7 comentários :

  1. Eu definitivamente adoro essa coluna da sua mãe!
    Confesso que nunca li nada do Rubem Fonseca e acredito que não deva ser uma leitura tranquila, a temática certamente é forte e reflexiva.
    Fiquei interessada!
    Beijão!

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  2. Não conhecia o conto nem o autor. Parece muito legal!
    Muito bonita a capa do livro!
    :)
    Bjão!

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  3. Eu gosto muito de literatura policial, mas nunca li nada do Rubem Fonseca =O
    Adorei a coluna e fiquei interessada em ler um livro do autor, essa coisa de flashes cinematográficos citada no texto é diferente e parece ser bem interessante a narrativa.
    Bjo

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  4. Caramba, parece ser um livro e tanto (ou, pelo menos, dois contos e tanto)!!
    Nunca li nada dele, mas já ouvi falar bem. :)
    Quem sabe eu leia depois disso.

    Beijooos

    http://booksarelikeheroin.blogspot.com/

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  5. Oi ,
    Hoje vim avisar que tem Promoção nova rolando la no blog se quiser participar.
    Bjks
    Raquel Machado
    Leitura Kriativa
    http://leiturakriativa.blogspot.com/

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  6. Lembro quando li pela primeira e única vez no colégio e adorei. Sempre tentava ligar o fato ao autor e não conseguia, agora sei de que autor se trata! :)

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  7. Não conhecia.. mas fiquei bastante interessada!
    Adorei essa coluna!


    lereseaventurar.blogspot.com
    Beeijos ;*

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